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Aqui trataremos de tudo aquilo que nos emociona.

A vida, em todas as suas formas e manifestações, nos leva a fortes emoções.

Espero poder traduzir, em versos e rimas, as expressões da vida com as quais eu tiver contato.



Luzia M.Cardoso
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terça-feira, 29 de outubro de 2024

Aos cuidados da Orixá (homenagem póstuma)

 


Aos cuidados da Orixá

(homenagem póstuma)

Praia da Guanabara - Freguesia, Ilha do Governador

RJ, 17 de outubro de 2010)



Sinto impressos em teus olhos,

O horizonte, o céu e o mar...

Ao longe, barcos a velejar

As aves observando

Os teus passos, os teus rumos

Sob o sol

Sob o céu

Árido asfalto

 

Teus pés na areia

Tocam nas águas de Iemanjá

 

Riachos rolaram no olhar

Tua face rasgando

O sal e as ondas do mar

 

Eu vi teu tempo escorregar...

Em tantas noites sem luar,

Estrelas que se apagaram

Caminhos que se fecharam...

Um breu profundo se abriu.

 

Vento cortante

Sempre por lá.

E se fez de firme

Se fez de forte

Em algum desses bancos

A esperar,

Marolar, marolar, marolar...

Quatro paredes

Quarto e sala... Uma ilha

 

Sonhos envelheceram em solidão

Cada dia pesou mais a mão

Já são três anos de saudades.


Seguem passos na calçada...

Nós duas, tuas irmãs,

Eu e Luci à beira mar


Meu olhar no horizonte.

Ouço o canto do mar,

O silêncio dos pássaros

E dos barcos atracados...

Tantas redes emaranhadas

Numa pedra está fincada

A capelinha de  Iemanjá


Da caixa de papelão,

De um pequeno saco plástico

Retiramos as tuas cinzas

Entregando o que deixou

Aos cuidados da Orixá,


Nesse dia dezessete,

Outubro de primavera,

Pedras brincam de me molhar...


Uma brisa nos envolve

Num abraço fraternal,

Eu, você e Luci.


Neste dia, aqui estamos,

Num oceano de saudades...


Talvez haja um porto na eternidade.


Com o meu carinho,


Luzia M. Cardoso

Rio de Janeiro, 17 outubro de 2024



sábado, 26 de outubro de 2024

Uma consulta animal (poema de cordel)

 

(Imagem gerada por IA)


Uma consulta animal

 

Scott “tá” constipado

Com as fezes sem sair

Quase sempre entocado

Co’os olhos a me seguir

Pois não quer medicação

Para tudo, mia <Não!>

Quando pego um remédio,

Scott desaparece.

A seu modo, roga, em prece,

D’Universo intermédio.

 

Ele tem um megacólon:

O final mais dilatado

Do seu intestino grosso,

Complicando o que é chamado

Movimento peristáltico.

O coco fica estático;

Vamos à explicação:

Tem que haver movimento,

Contração, relaxamento,

Para a sua a expulsão.

 

Depois de muitas andanças

Por vários veterinários

Fomos à especialista

Know-hows” mais que necessários

Pro manejo do babado:

Coco encapsulado.

Um capítulo à parte

Desse mal qu’aflige Scott

Que parece mais um trote

Pra me levar a enfarte.

 

Chegando ao consultório

Sou chamada a atenção

Pela forma que criei

ser improvisação

Pro transporte animal.

Nunca tinha visto igual?

Sua caixa eu fixei

No carrinho de feira.

De forma muito guerreira,

Duas rodas instalei.

 

Ouvi da especialista

Qu’era preciso transportar

A caixa em meus braços,

Sob capa, pra tapar

As pessoas do percurso.

Sendo a capa um recurso

Pro gato não se agitar

Aquele peso em meus braços

Instabilizam os meus passos

Com riscos de eu tropeçar

 

Em seguida, a areia.

Duas caixas tenho em casa,

Numa varanda pequena.

Tão pequena qu’atanaza”

Junto às caixas, a bandeja

Com tapete pra que seja

O ambiente sanitário

Pros dejetos do cachorro.

Um recurso que recorro

E que é muito utilitário.

 

Logo, sou repreendida.

Pede caixas espaçadas

Na varanda sem espaços

Onde ficam encerradas.

As caixas intercaladas

Serão, pois, caixas viradas

Na passagem do cachorro.

Areia pra todo lado,

Todo espaço abalado.

De cansaço, assim, eu morro.

 

Vamos à alimentação:

Dou ração especial,

Uma gastrointestinal

Pro manejo d’animal.

Prescrita noutra consulta

E seu preço mais insulta

Com as dezenas de reais.

Há também a ração úmida

Para ser oferecida

Água, fibra e tudo mais.

 

Compro tudo embalado:

Ração úmida e seca.

Administro meu tempo,

E a também a enxaqueca

Dos serviços de cuidados,

a eles acrescentados

Os tais trabalhos domésticos,

Além de meu doutorado.

Combo administrado

Com calmantes e analgésicos.

 

A veterinária diz

Que é preciso acrescentar

Comidinha feita em casa,

Para tudo se assentar.

Uma carninha de frango

Pra enriquecer seu rango.

Com água saborizada,

Aumentar hidratação.

Pede mais dedicação

Pro que sou orientada.

 

Pago pelos honorários

Com a receita na mão:

Mais reais para a ração;

Mais tempo, mais atenção;

Transportar gato nos braços,

Garantindo firmes passos;

Na varanda apertada,

Inventar, lá, mais espaços,

Resolver os embaraços

Da prescrição adotada.

 

Expert em animal

Não olha pra seu tutor

E não cria parcerias

Pro que é fundamental.

Tenta impor suas verdades,

Despreza realidades.

Com o diploma crê

Poder tudo criticar,

Vida concreta mudar

Tutores, repreender.


Luzia M. Cardoso

Não há tempo aceitável para trabalho de parto com dor – reflexão em triolés

 


Não há tempo aceitável para trabalho de parto com dor
(Reflexão em triolés)

 

Por que querem que acredite

Que pra parir tem que ter dor,

E dor acima do limite?

Por que querem que acredite

Nessa gente que vem e insiste

Que isso é prova de amor?

Por que querem que acredite

Que pra parir tem que ter dor?

 

A dor é pra disciplinar

O modo de ser da mulher?

Poder seu corpo controlar,

Acorrentar e explorar

A resistência enfraquecer?

A dor é pra disciplinar

O modo de ser da mulher?

 

Trabalhando desd’a infância

No frio, sol, noites e dias

Enfrentando a intolerância

Trabalhando desd’a infância

Entre teias da violência

E outras tantas covardias

Trabalhando desd’a infância

No frio, sol, noites e dias

 

Com tanto trabalho doméstico

Mais o que tem fora de casa,

Querem no parto um corpo elástico?

Com tanto trabalho doméstico,

Longo parto é muito sádico.

Em que essa gente s’embasa,

Com tanto trabalho doméstico

Mais o que tem fora de casa?

 

Se todo corpo é esgotável,

Que tempo aguenta o da mulher?

Quanto trabalho é suportável

Se todo corpo é esgotável

Qual é o tempo provável

Para seu corpo responder?

Se todo corpo é esgotável,

Que tempo aguenta o da mulher?


Luzia M. Cardoso


#morte materna #mortalidadematerna  #direitosreprodutivos

Poema de cordel - Ratatouille da Amizade


 

Ratatouille da Amizade

 

Meiry, Tânia e Luzia,

Amigas de longa data,

Falam d’um tal ratatouille,

De forma muito cordata.

São legumes à francesa

Que, ambas, levam à mesa.

Todas falam, com carinho,

Da receita qu’elas seguem,

Mas não é que se apeguem

Àquele mesmo jeitinho.

 

Ratattouille tem origem

Na culinária francesa.

É um prato popular,

Como outros, com certeza.

Legumes d’ocasião,

Naturais da região,

Facilmente encontrados.

Os temperos, sempre a gosto,

Digo isso por suposto,

Não que sejam postulados.


Os legumes mais presentes:

Abobrinhas, berinjelas,

Pimentões de quaisquer cores.

Não faças disso querelas.

Tomates vão muito bem.

Se gostar, alhos, também.

Há quem corte em rodelas,

Há quem prefira em cubos,

Pode ser até com ambos.

Todas fazem ao gosto delas.

 

Se quiser um’aquarela,

Monte o prato intercalando

Todas essas hortaliças.

Com carinho, caprichando.

Temperos, ponha por cima,

Invente, não se reprima.

Busque combinar sabores.

Mas pimenta calabresa,

Pouquinho, ou leve à mesa

Para não causar ardores.

 

Monte o prato na forma,

Bom azeite pra regar.

Forno a cento’e’oitenta graus.

Atente ao tempo d’assar.

Olhe lá. Quando ao dente,

Talvez, seja prudente

Ficar a observar.

Quer legumes bem macios

Ou os prefere ao ponto?

Quando’o prato ficar pronto,

Sirva-o a seus patrícios.

 

abcbddeffe

Ratatouille é prato simples

Não requer muita ciência.

É comida do povão.

Meça o tempo, a paciência,

E a quem vai oferecer

Para ver como fazer.

Com os temperos daí,

Sal, azeite e vegetais

Carinho é o toque a mais

Et voilá! Bon apetit!

 

Luzia M. Cardoso

RJ, 29 de setembro de 2024

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Marias Globalizadas - Cordel






 

Marias Globalizadas

 

 Atravessa oceanos,

Nem o tempo a detém.

Insiste a morte materna,

Por aqui e mais além.

E na classe subalterna,

A mulher que nada tem,

Passa a vida na labuta.

Dia e noite na luta.

 

Tinha trinta e cinco anos

Trabalhava em pastoreio

E com gestação de risco

Sem ter hora de recreio,

Seu tempo sob confisco.

Em casa, muito aperreio:

Suportava o mal estar.

 

 E no dia de parir,

Marido longe de casa

E ninguém pra amparar.

A Morte nunca se atrasa,

Tem a fome a lhe lembrar

Para abrir a cova-rasa.

Enquanto a pobre gestante

Suporta a dor que é constante.

 

Corre em busca de socorro

Onde fez o pré-natal.

Clínica mal equipada

Pro que é fundamental

A mulher, mal amparada,

Teve um parto fatal.

Jaz seu corpo em exaustão

Pois parou seu coração

 

Nenhuma vida suporta

Assistência inadequada

E cuidado negligente.

A família enlutada

Não encontra quem lh’alente

Ainda mais desamparada

Com a noite a se fechar

E um corpo pra velar.

 

Sem recursos, sem dinheiro,

Sem tempo pra se cuidar

Direitos reprodutivos

Estão sempre a escapar

As causas e os motivos

Dizem querer encontrar

Sempre tentando esconder

Que’o que concentram faz morrer.

 

Essa história é da Mongólia,

Ano de dois mil e dois.

Mas aqui ocorre igual.

Ser humano? Pra depois.

Primeiro, o capital,

O Mercado assim impôs.

Às mulheres, mais trabalho

E o mais roto agasalho.

 

Na Mongólia foi assim,

O Estado liberal
Aumentou desigualdades

Pra nutrir o capital.

Desemprego nas cidades,

Penúria n’área rural

Sustentando a opulência

E minando a resistência.


Luzia M. Cardoso

 

Essa história foi baseada em um caso descrito no artigo de CRAIG R. JANES e OYUNTSETSEG CHULUUNDORJ (Creg ar jeines e Aiansetseg thiuiunDART), intitulado “Mercados livres e mães mortas: A Ecologia social da Mortalidade Materna na Mongólia Pós-Socialista”

Craig JR, Oyuntsetseg C. Free Markets and Dead Mothers: The Social Ecology of Maternal Mortality in Post-Socialist Mongolia. Medical Anthropology Quarterly 2004 jun. [acesso em: 10 mai. 2024]; 18(2): 230–257. Disponível em: https://anthrosource.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1525/maq.2004.18.2.230 


#morte materna #mortalidadematerna #direitosreprodutivos




 

Scott Enfezado - triolé






 

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