Luzia Magalhães Cardoso 1
Viver é tão complicado
Pra todos que’aqui estão
É tarefa coletiva,
Não suporta solidão.
De atenção e de diálogo
A vida não abra mão.
Muito antes de nascer
D’um encontro carecemos.
Com lágrimas ou sorrisos,
Do acordo dependemos.
E por toda a gestação
Sob olhares estaremos.
A gravidez é notícia
Que agrada ou aborrece.
Dependo do ouvinte
Muita ajuda já carece.
Se quem fala é desatento,
O outro até desfalece.
Durante a gestação
Muitos olhos pra barriga...
Cobram novas atitudes
Daquela qu’um ser abriga.
Do que sente a mulher,
Muita gente se desliga.
Com a gravidez saudável
O problema é menor.
Se houver complicação,
Vai ficar muito pior.
Pois quem cuida desconhece
O que vai no interior.
Tantas doenças genéticas
Jogando o sonho no chão.
Tem o parto prematuro
Com tão longa internação.
E uma nova realidade
Em tão frágil e fino chão.
Mas o tempo corre solto
E a vida cobra o jeito:
"O colo ficou vazio";
"O feto não é perfeito."
E a dor logo floresce
No rosto d’outro sujeito.
Mas a vida já caminha...
Chama outra estação.
Apesar da noite escura,
O dia não abre mão.
E o luto se aloja
No fundo do coração.
Outros bebês nascem, crescem,
Passando pela infância.
Alguns vendendo saúde,
Muitos vencendo distância
Vão pulando os precipícios
Erguidos na ignorância.
E depois como se conta
Que a criança aprontou?
Se for tal a gravidade,
Toda casa despencou.
Muitos pais em desespero
Sua cria espancou.
Nossa mãe, adolescência!
Drogas, sexo, violência...
Amizade e educação
Cobram alto a consequência!
E quem foi dar a notícia,
Ponha a mão na consciência.
Chega a fase da labuta,
Na família, no emprego...
O dia fica tão curto!
O corpo pede arrego!
Achamos ser só capricho,
À dor pedimos sossego.
Adiante, ela grita,
Chora alto, esbraveja.
Levamos pro hospital
O corpo que nos lateja.
Reduzidos a um órgão,
Toda a alma já fraqueja.
É um médico pro olho,
Outro para o pulmão.
E vamos pro psicólogo
Se for coisa de emoção.
Vira caso social
Quem era só cidadão.
Está mal algum dos órgãos?
Na ciência, o remédio.
Cada qual com sua parte.
E o silêncio é o intermédio...
Do saber tiramos luz
Ao trancá-lo em alto prédio.
E o doente se complica!!
Tiram sangue, raio X...
Muito assusta a equipe
O que o exame diz:
"A doença é fatal
E a vida por um triz."
O que fazer, afinal?
Como lhe dar má notícia?
Quem habita aquele corpo?
De que mais terá carência?
O que pensa e defende?
E sua rede de assistência?
Ver e ouvir é a questão,
Requer muita humildade.
Com o outro percebemos
Que não existe verdade.
Muito mais do que ensinar,
Aprender é prioridade.
Cada um tem o seu tempo,
Uma forma de viver.
Muito mais do que a razão
Consegue compreender.
E esse tempo é quem comanda
O que o outro pode crer.
Apesar das diferenças,
A lição é de igualdade.
Já que os olhos falam à alma,
Desde a antiguidade,
Enxergar o ser inteiro
É responsabilidade.
E assim a roda roda,
Entre vales e barrancos.
Se olharmos só pras partes,
Pegaremos só com tranco.
Conhecer é uma arte,
Que vai muito além dos bancos.
Proporcionar o suporte
Pede muita competência.
Mas do usuário a adesão,
Urge sua consciência
Nos passos do tratamento
Pra vencer a resistência.
Tão complexa realidade
Pira o profissional,
Pois não há capacidade
Que resista a vendaval!
Mas trocar informações
Não engorda e não faz mal.
E pra tudo arrumar,
Ferramentas sempre à mão:
Tem Spikes; tem o Balint;
Não se desespere, não!!!!
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1 - As três estrofes finais deste cordel foram redigidas por todos os membros do Grupo 6 do Curso de Atenção ao Vínculo e Qualificação da Comunicação em Situações Difíceis no Tratamento Oncológico – 2011.2 - INCA / MS, e fora incorporado ao cordel, juntamente com a qualificação de "Cordel Desencanado", posteriormente, em 17/11/2011.