De Minha Lavra
Quando ando pelas ruas
E vejo gente no chão,
Largada em calçadas nuas,
Invisíveis à multidão...
Quando entro em algum pátio
E vejo tanta produção.
E nas esteiras, mil olhos
tristes,
Com o pesadelo de então...
Quando encontro largos tetos,
Sobre longos metros de chão...
E fora, gente ao relento,
Sem direito à habitação...
Eu não sei o que me dá
Quando aquilo me invade.
É uma grossa substância,
De ondulante verbo,
Que me faz soltar o verso,
Da garganta, o adverso.
E eu verso aquela gente
Para mostrar o que passa,
O que quer e o que sente
Quem se larga por lá.
E como longo é o tempo,
Diferente dos de cá.
Lá tem o mais longo segundo.
Segundo lento a se arrastar.
Com vidas ao sabor do vento,
Violento,
Que as lança sem nada pesar.
De pronto, me pega o poema
Pelo verbo no reverso
Do verso de meu avesso.
Sem doçura ou estratagema.
Apontado, entra fundo,
Fica lá dentro, imerso.
Verso o que não se abre em
flor,
Que não abraça, nem acalanta.
Verso o grito,
Grito de dor,
À luz do dia a dia que me afronta.
Nas pontas de meus dedos, verso.
Verso pedradas que confrontam
As vidraças das praças,
que se fecham à calçada.
Vidraças que guardam o que contam
Fabricantes de desgraças.
Os meus versos nascem amargos
E eu não os quero adoçar.
Que os sintam os que passam
ao largo
Dos sem almoço e jantar.
Mais os meus versos afio,
E os afio para mais penetrar.
Que entrem profundo nas almas,
E que incomodem quem só quer fornicar.
Meu poema sai das caldeiras
Em altas temperaturas,
Endurece nas geleiras
Das mais frias criaturas.
Meu poema é dedo em riste
Apontando a transfusão
Do nosso anêmico sangue
Para o nutrido tubarão.
Meu poema é tesoura afiada
Sobre a pele da cegueira.
Fere e rasga a cortina
Daquela seda esfumaçada
Que encobre, cretina,
Quem nos monta com esporas,
Nos confunde e desatina,
E nos sangra as cadeiras.
Luzia M. Cardoso
RJ, 05\01\2018
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